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Eram os quadrados, mais que as linhas e as colunas. Completar cada um dos 9, precisar das linhas para os confirmar, contular as colunas para os aperfeiçoar. Mas eram os quadrados o que mais gostava de completar.
Nos gratuitos vinham sudokus. Todos os dias recolhia pelo menos dois. Pacientemente, à noite recortava um rectangulo em volta, que caberia milimetricamente na caixa de madeira que era por sua vez do tamanho da lancheira onde levava o feta. Ambas caberiam na pasta e a ordem seria total. Andar de transportes com sacos e saquinhos não. Além disso havia que ser prático.
O comboio levava trinta minutos, o metro outros vinte. O suficiente para resolver os de nível fácil e médio. O difícil tinha dias. Mas eram os tempos ideiais para retirar cuidadosamente a caixa de cima da lancheira, o sudoku de dentro da caixa, poder pousar a pasta, e resolver. Todos os dias dois, um de manhã outro no regresso a casa.
Tinha actualmente um montinho de 20 porque Carolina, uma colega do trabalho, acumulara jornais nas férias e lhos cedera. Deixara-os em cima da secretária e ele agradecera de passagem pela máquina do café, sem tirar os olhos da copo do galão - café a mais seriam horas a tremer. Dois feitos por dia, dois acrescentados, teria 20 por algum tempo. Esta calma e tranquilidade eram a sua base, quase a sua felicid... não, não, a felicidade não podia ser isto. Estava perto, mas não era aquilo certamente. Na verdade, não lhe dava mais prazer fazer isto que o quarto de vigor e a bola com creme aos domingos de manhã, ou reler os apontamentos de História das Mentalidades - as medeivais e modernas, essa era a melhor parte. A felicidade havia de estar perto mas um bocadinho mais à frente.
Hoje uma linha teimava em completar-se mais facilmente. "Não, não, eu vejo-te mas não quero ir por aí" e insistia em completar antes um quadrado, e outro. Sem ordem nenhuma em particular, mas sempre os quadrados antes de linhas e colunas. Que não podia ser, diziam-lhe. Se podia, tantas vezes chegara ao fim por aí. "Não, eu vejo-te, mas não quero até ser vital" e sorria.
Carolina, sentada ao lado no metro como sempre, pensava "Não me vê hoje também. Amanhã tento de novo. Um dia destes diz-me olá".
Do IEFP nunca tive razão de queixa. Já da Segurança Social não posso dizer o mesmo, estive 4 meses sem receber o que era meu por direito porque alguém introduziu mal uma data e teimavam que tinha sido no IEFP, na minha empresa, na minha cabeça e nos meus sonhos. No fim tinha sido mesmo lá mas ninguém se responsabilizou, ninguém viu e a vidinha continua. Tudo bem.
Depois veio a saga dos 6% a partir de Janeiro. Todos contribuímos com alguma coisa e os desempregados que já só recebem, primeiro 65%, passados 6 meses 55% do ordenado, passaram a receber 49% do que recebiamos quando estávamos a trabalhar. Todos os impostos a mais são injustos mas permitam que este me toque mais por agora. Vejo birrinhas em todo o lado e o número, o 49% é mais uma, assim não está a maioria do valor do nosso lado, passa por aí. Mas o TC invalidou isto e o valor foi-me (foi-nos) restituído por inteiro em Abril. Tudo bem.
Como este governo (e outros, os outros também tiveram os seus) está cheio de gente muito esperta, redesenhou a medida. E o que eu adoro que redesenhem e me façam de parva... A-do-ro. Ora, medida redesenhadinha e o que se faz na Segurança Social? Não se desconta em Agosto, não se desconta em Setembro, desconta-se em Outubro e... exige-se a devolução de valores retroativos a Julho. Hã? Isto é ou não é brilhante? Isto é ou não é gozar com as pessoas? A carta começa com "informamos que foi apurado, como indevidamente pago, o valor abaixo indicado". E a mim apetece responder "ai foi? tivessem atenção". Isto era o que me diriam se eu não pagasse o que aparentemente devo, se eu faltasse às apresentações quinzenais, se eu não procurasse emprego, enfim, se eu não cumprisse obrigações nenhumas. Eles só têm uma que é fazer as contas como deve ser e mesmo isso fazem mal, mas eu tenho de pagar em 30 dias.
A comunicação é toda um mimo. Claro que há alternativas. Desde que se justifique muito bem justificadinho que se é muito pobre, pobrezinho a morrer de fome, e aí talvez - talvez, hã - se possa pagar em prestações. Ou então se se declarar que se recebe um daqueles valores tão indecentes que nem vale a pena falar.
O resto da carta apresenta alternativas e procedimentos caso queira reclamar, que descontam nas 3 prestações seguintes, o que também me vai dar muito jeito, e ameaças de "cobrança coerciva em processo de execução fiscal" mas isso é só deprimente e não vos vou maçar mais.
A questão aqui não é eu poder ou não poder pagar. Vou pagar - a menos que alguém me diga ou eu veja que há movimento sustentado contra isso - , contrariada e com malabarismos com facturas e outros. A questão é que isto é tudo de uma indecência sem descrição. Desde a medida, ao procedimento da Segurança Social. É tudo de uma falta de consideração pela vida e contas das pessoas que já não tem descrição. Eu não tenho esses 6% de parte a contar com os enganos e apuramentos da Segurança Social. Gostava muito que me sobrasse dinheiro ao fim do mês, mas isso não é simplesmente possível. Sobra-me mês, digamos antes assim.
Palavrinhadonra que podendo nunca mais na vida quero ser desempregada. Não é vida para ninguém, vão por mim.
eu só quero desabafar. Também quero um emprego, essa parte é a mais pura verdade. Mas este post é um desabafo. Não um desabafo melodramático, agarrada à almofada, de balde de gelado ao lado, nada disso. Mais um grito sem drama, um disparatar para exorcizar demónios, nada mais. Porque as pessoas ficam logo aflitas ou não ligam quando se fala nisto. Com razão, eu faria ou fiz o mesmo, já não sei. Cada um sabe da sua vida e nem todos estamos desempregados, felizmente.
Mas quem está sabe como é receber comunicações do IEFP. E eu não tenho tido razões de queixa do IEFP, verdade seja dita. Nem o IEFP de mim, já agora. Mas a comunicação - este ano tudo vai dar a comunicação, eu que acho que a crise nos pôs a falar uns com os outros, e as instituições parece que pararam no tempo com a comunicação -, a comunicação do IEFP deixa muito a desejar. Sempre que me escrevem é para me verem dia tal à hora tal, muito bem dito num primeiro parágrafo, objectivos, curtos e grossos. Depois seguem-se três parágrafos, maiores, de ameaças. Se não apareço sou a pior do mundo e não mereço nada, se não apareço não posso estar neste clube, e não aparecendo e sendo expulsa só daí a x dias posso voltar. Uma espécie de vá pensar no mal que fez para aquele cantinho e depois volte. E até lá fico sem subsídio, claro. A aparecer, é bom que tenha procurado emprego nestes meses em que não dissemos nada uns aos outros e prove bem provadinho, senão lá está, expulsão, castigos e essas coisas.
É tudo certo, está tudo bem pensado e eu acredito que estas regras e alertas sejam todos necessários. Mas permitam um lado de cá, que se sente constantemente de fato de riscas pretas e brancas e bola no pé, disparate à vontade com isto. Sem drama, juro, até me rio disto, mas é a imagem que tenho.
Arranja-me um emprego
Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, concerteza
Que eu dava conta do recado e pra ti era um sossego
Que fez ontem, não foi? Dobradela de cantinho ou a memória imediata é: fui sair à noite e por Lisboa já havia cartazes de "Parabéns José Saramago". E eu achei bem. E arrepiante. Foi isto.
Li Saramago mais tarde, comecei pelo "Ensaio Sobre a Cegueira" continuei com outros e ainda tenho muitos para ler. Foi amor para a vida, nem toda a gente escreve assim, decididamente.
PS: para mim não há teams, até porque já conhecia e amava Lobo Antunes e mantenho tudo. Manual dos Inquisidores 4ever!
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