Não são as redes sociais, são as pessoas. Tomo I
Pi, 27.02.20
Disclaimer: sim, alguém publicou fotografias do seu bebé acabado de morrer.
Vi ontem, acho que agora consigo descrever, mesmo que as palavras me fujam e as imagens que quero esquecer me persigam.
Só para enquadramento, o Instagram, como outras redes sociais, pode ser uma constante descoberta de outras vidas, outros hábitos. Sigo pessoas que vivem noutros países, noutros continentes e de vez em quando lá vejo que o que usam para estender a roupa é tão diferente, ou vêem cangurus na praia, que engraçado e pronto, sigo em frente. Vale o que vale, cada pessoa segue o que gosta ou quer ver e não tem de vir mal ao mundo dali. Entre contas que sigo, há algumas mães, #momfluencers com feeds engraçados, não perfeitinhos, mas pensados. Acho graça seguir e ver como crescem as suas crianças. Fim de enquadramento. Começa aqui o sinistro.
Ontem ao ver stories, percebi que morreu um bebé, não de ninguém que eu siga, mas já tinha visto referência ao mesmo noutra altura, ainda ele estava doente. Ninguém me mandou, mas fui atrás do tag da conta, um movimento natural em redes sociais, um “deixa ver que se passou” algo mórbido, admito.
Todos temos os nossos medos e pesadelos e um deles, acho que posso avançar que é geral, será ver uma criança morta. Ninguém pode querer ver isso, excepção feita a psicopatas.
Pois bem, ao tentar perceber que tinha acontecido ao baby Milo, no feed da mãe, deparo-me com fotografias da mãe com ele ao colo, tão bebé, coitadinho e... mas a criança está morta?! Vi melhor. Li alguns comentários para ter a certeza de estar a ver bem, uma certeza que eu até sabia que não queria ter. Sim, as fotografias, de filtro perfeitinho para entrar no feed de cores a condizer, apesar de serem seis meses de testemunho de uma leucemia num bebé, são de momentos a seguir a ter morrido. Era a penúltima publicação quando lá fui, a última era já do bebé amortalhado, nem quero bem perceber depois de quê. Os comentários todos na base de ser agora um anjo (que é, o inocente nada tem a ver com isto), que sorte teve em ter aquela como mãe. Fugi, não quis ver mais nada. Fugi, fechei as redes, tentei pensar noutras coisas, ver qualquer coisa que me distraísse. Dormi muito pouco sem estar sempre a pensar no assunto, mas ficou cá, esteve aqui o tempo todo. Não tive palavras no momento, tenho só estas agora.
Não está sequer em causa o que possa sentir aquela mãe, claramente passou a vida para o Instagram e provavelmente quis fechar assim, sem nada esconder, este ciclo terrível por que passou a família. Pode ser outra mentalidade, é certamente uma outra forma de lidar com a morte, mas é chocante seja lá onde for.