"O Retorno" - Dulce Maria Cardoso
Comecei a ler Dulce Maria Cardoso, pel' "Os meus sentimentos", que cá hei-de deixar também. Mas é "O Retorno" que me traz desta vez.
"O Retorno", pela voz de Rui, um rapaz de 15 anos, fala-nos da vinda para Portugal de famílias que viviam nas colónias portuguesas em África. Numa só voz, a de Rui, conseguimos perceber a experiência de diversas personagens, de diferentes idades e vivências até então. A vida em Lisboa não é fácil para ninguém. Saber como foi a vida de quem veio de África, contra sua vontade, contra toda a expectativa que a vida prometia.
Toda a vida conheci quem tivesse pais vindos de lá, quem lá tivesse nascido. Sempre conheci o termo "retornado", vivi não muito longe de um dos hoteis que os acolheu. Mas tirando uma ideia generalizada de que eram pessoas com um espírito mais leve, que ía ouvindo, sabia muito pouco sobre estes regressos, este retorno. Agora sei que sabia nada.
Em pinceladas, sem impingir ou evangelizar, Dulce Maria Cardoso faz chegar-nos uma descrição do dia a dia destes portugueses, o impacto nos, e dos, que cá estavam. Mentalidades da altura, experiências de vidas antigas, personagens memoráveis (como o castiço Pacaça, "o retornado mais retornado do hotel"). Gostei sobretudo de me sentir transportada àquele hotel, àquela Lisboa fria, aos contentores no porto, espreitar hábitos e formas de pensar - "um homem que me ensinou a respeitar toda a gente" -, perceber a cisão entre quem veio e quem estava - "um dos retornados que responda, o retornado da carteira do fundo que responda".
São muito evidentes (actuais até) os rótulos e ideias feitas de parte a parte, o tratamento condescendente de quem sempre se achou certo, mas nunca saiu do lugar. Não sei se mudámos muito.