Os fogos. Mais ou menos de dentro.
De manhã, eram oito e meia, hora da depilação (demasiado cedo para tal tortura, bem sei). Ocorre-me perguntar, porque nunca sei bem onde é:
- Tem alguém nas zonas dos incêndios?
Eu achei que sim, mas não tinha a noção de quão próxima a S estava da situação.
- A minha aldeia é lá. Ardeu tudo até à porta das casas.
Puxão atrás de puxão, foi contando.
Perdeu o contacto com a família depois de um "Olha olha, chegou à casa dos pais!". A chamada caiu ainda no domingo, e só voltou a ter notícias segunda feira. Por desencontros, estradas e comunicações cortadas, só segunda feira soube que a família estava bem e as casas (e só as casas, tudo se estragou, quase tudo se perdeu) salvas.
Mal senti a cera hoje. Eu é que toquei no assunto, e perante o pragmatismo da S, sentir qualquer dor seria ridículo.
Não houve luz, água ou telecomunicações até sexta feira seguinte. O único multibanco só no fim de semana voltou a funcionar. A S, o marido e alguns voluntários conseguiram levar bens de primeira necessidade às pessoas. Três toneladas deles.
- Quando cheguei à minha aldeia, já não tinha lágrimas para chorar. Conhecer tudo como era, verde, e ver agora tudo preto, tudo queimado...
Foram de porta em porta saber de que precisavam as pessoas. Algumas perguntaram se não tinham "umas ferramentas, para poder consertar algumas coisas".
A S contou sem pretensiosismos. Eu é que puxei o tema, sem pensar bem no que por aí vinha.
Acrescentar só o que já temos ouvido e a S reiterou: toda a vida houve ali incêndios "mas nunca nada como este ano".
PS: Naturalmente não terá sido novidade para ninguém é só mais duro ouvir na primeira pessoa. Não o ouvimos vezes suficientes. Decoramos e mastigamos o que nos entra pelas notícias, sabemos de cor o que nos chega nos rescaldos. Mas ouvir assim, nunca tinha ouvido. Dói mais.