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Da vida de Pi

Da vida de Pi... nilla. Vivo de ler e escrever. De ler escritas, de escrever leituras, de debater termos e criar frases. Aqui escrevo da vidinha. Vidinha de Pi, é isso.

Da vida de Pi

Da vida de Pi... nilla. Vivo de ler e escrever. De ler escritas, de escrever leituras, de debater termos e criar frases. Aqui escrevo da vidinha. Vidinha de Pi, é isso.

É de uma boa história que eu gosto - trazido do Delito

Pi, 28.02.18

Já de há uns anos - as minhas memórias dos vinte anos já têm vinte anos, é um facto em que tenho reparado no último ano - para cá, quando os filmes nomeados começam a chegar, tento ver a maioria. Por hábito, não por ser muito entendida, mais por gostar de estar a par e desde pequena ver os Oscars, ainda que com um enstusiasmo decrescente de ano para ano. 

Ainda gosto que em cerimónias como Oscars e Globos, possamos ver actrizes e actores como nunca os vemos. Mas claro, com a idade também vem a noção de que nada é inocente ou muito espontâneo e a magia perde-se de entrega para entrega. Ainda assim, não é este ano que desisto. 

Uma coisa de que me tenho apercebido com os anos, é de que não tenho a pretensão de perceber qual é o melhor filme. A melhor realização, a maior produção é necessariamente a melhor? Cada vez tenho menos interesse em perceber o que julgo ser subjectivo tantas vezes. Todos os anos há satisfeitos e atónitos com as escolhas, todos os anos há forum sobre a credibilidade da Academia. 

A mim, que gosto de ir ao cinema nesta ou outra época, basta uma boa história. O story telling é o que me interessa mesmo no meio de tudo. Vale para cinema ou literatura, mas é saber de uma história bem contada que me leva às salas. Vi ontem "Eu, Tonya" e apesar de ser muito baseado no documentário "The price of gold" da ESPN, que aconselho vivamente, é um bom filme, uma história bem contada. Há umas semanas vi "Todo o Dinheiro do Mundo", e há um mês ou dois, vi também Borg vs McEnroe que são História Contemporânea pura. Ambos falam vidas de pessoas do nosso mundo, de acontecimentos contemporâneos. Gostei de juntar nomes e eventos perdidos na minha memória, coisas vagas da infância, que através do cinema posso reconstituir.

É decididamente do que mais gosto no cinema, um bom relato, fictício ou não. Que me entretenha e leve a outros mundos e vidas. 

Sobre comportamentos em salas de cinema podemos falar num próximo post. 

Post originalmente publicado no Delito de Opinião
 

Dia 3. A Lena do bibe encarnado

Pi, 03.01.17

No João de Deus, onde andei dos 3 aos 10 anos (para sempre na minha cabeça, ou "pela vida fora João de Deus"), a referência para anos diferentes é a cor do bibe. Quem lá andou ou anda, orienta-se assim -"estávamos no bibe castanho", "em que bibe andas?", "Qual é o teu bibe este ano?", é uma coisa que nos fica, lá  está, pela vida fora. 

A Lena do bibe encarnado era uma das educadoras da altura em que eu estava no dito bibe (o dos 4 anos). Não era a minha, mas acompanhava os almoços, ficava connosco em alguns recreios, e por isso havia contacto. 

Eu tinha medo da Lena. A memória que tenho é de uma senhora um pouco ríspida, apesar de me lembrar de a ver sorrir - um sorriso de lado, só com um canto da boca -, de poucas palavras connosco. Tive um episódio com ela que me ficou sempre: uma vez, ao almoço, pus de parte o bocadinho mais apetitoso do peixe (quem nunca?) para ser o último. Aquele estava mesmo bom para ser o último a saborear. A Lena, que estava na supervisão dos almoços, apareceu por trás de mim, pegou no meu garfo, e misturou o peixe todo, enquanto dizia "o peixinho é para comer todo!". E eu chocadissima, mas em silêncio, que nem me atrevia a responder a adultos, muito menos aos que me metiam medo. Lembro-me que o meu pensamento imediato foi: "Nãoooooo! Eu não sou aqueles meninos que não gostam de peixe!".  E não era. 

A Lena tinha um dom: contava histórias como ninguém. Naqueles intervalos em que não podíamos ir brincar para o jardim, e ficávamos no salão, contava-nos histórias. Era uma narradora nata, tinha o tom certo, a entoação perfeita, fazia cada personagem sem grandes teatros mas de uma forma que eu, ainda sem saber ler, os vivia como os dos livros que li mais tarde. Contava-nos histórias, e eu ficava presa em cada palavra até ao fim.

Ouvi "A guardadora de patos", "A princesa e o sal", entre outras, muitas vezes. A que me marcou mais, tanto que nem a versão Disney a suplantou, foi "A Bela e o monstro". A Lena contava-a tão bem, que eu via a fera (não sei se ela não lhe chamaria fera) nas suas torres, serpenteando e perdendo a pele no fim da história. Ontem vi uma rosa numa cúpula de vidro, anunciando a nova versão de "A Bela e o monstro", e mais uma vez me lembrei da Lena e os recreios em dias de chuva, a ouvir histórias.  

Nos bibes que se seguiram, gostava sempre de tudo, mas tinha pena de já não fazer parte daqueles intervalos de histórias de encantar - ficaram sempre no bibe encarnado. Era encantada que eu ficava, juro.

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